Vida & Ideias de David Bohm

Vida & Ideias de David Bohm

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Esse texto é parte de um texto que escrevi como roteiro para um dos vídeos do Canal dos Sonhos.

Antes de começarmos as especulações (sobre sonhos e a obra de David Bohm), é importante conhecermos mais sobre David Bohm e o seu trabalho. Se você tem familiaridade com o inglês, recomendamos que você assista o recente documentário “Infinite Potential” para um excelente overview da vida e ideias de David Bohm.

Recomendamos também que você navegue pelo mapa interativo criado a partir do filme que mostra os eventos e teorias principais de Bohm.

Mas independente dessas recomendações, aqui vai um resumo sobre a vida e obra de Bohm.


Nascido, em 1917, em uma família não abastada em Wilkes-Barre, Pennsylvania nos EUA, Bohm sempre demonstrou grande interesse pelas grandes questões da existência e via na ciência um caminho para o melhoramento da humanidade. Mesmo com o desincentivo do seu pai, ele trilhou o caminho da descoberta, escrevendo sua teoria unificadora do cosmos enquanto ainda estava na escola. Tal caminho o levou a estudar física. Primeiro na universidade da Pennsylvania como graduação. Depois em Caltech e Berkeley para seus estudos de pós-graduação. Nessas duas últimas instituições, Bohm conheceu e passou a trabalhar junto de Robert Oppenheimer, que na mesma época era o cientista chefe do Projeto Manhatan, que levou ao desenvolvimento da primeira bomba atômica que o mundo viu. As pesquisas de Bohm chegaram a ser usadas no projeto manhattan, mas devido a sua ligação prévia com o partido comunista nos EUA, ele era visto com desconfiança pelos militares. A ponto de seu trabalho ter sido confiscado.

Ainda assim, Bohm ganhou notoriedade com sua teoria de plasma em metais e recebeu uma proposta para ir trabalhar como professor assistente em Princeton. Lá, ele conheceu e se tornou íntimo de ninguém menos que Albert Einstein, que chegou a chamar Bohm de seu “filho espiritual”. Infelizmente, nessa época David Bohm foi posto em uma situação política complicada relacionada às desconfianças do governo norte-americanos no período de guerra fria. Ele era visto como suspeito de espionagem russa. Por isso, chegou a ser preso e liberado, mas a confusão o levou a ser expulso de Princeton. Pressionado também por Oppenheimer - que o aconselhou/ameaçou a sair do país - Bohm buscou exílio no Brasil. Isso mesmo, por aqui!

Na Universidade de São Paulo ele atuou como professor de física e foi uma figura importante no desenvolvimento da ciência brasileira. Mas o mais relevante desse período foi que ele focou a sua pesquisa e trabalho na elaboração de uma visão sobre a física quântica revolucionária, bem diferente da visão vigente da época. Usando o clássico experimento da fenda dupla - que demonstra a dualidade partícula-onda em fenômenos quânticos - Bohm propôs a existência de “Variáveis Escondidas (ou invisíveis)” que influenciavam e explicavam o estranho comportamento de onda observado em partículas de escala quântica, como o elétron. Essas variáveis escondidas seriam “ondas guiadoras” que dirigiam a trajetória dos elétrons no experimento da fenda dupla. Isso ia totalmente contra a interpretação (de Copenhagen) da época sobre fenômenos quânticos. Por isso, essa visão de Bohm foi completamente ignorada pela comunidade científica - na época liderada por Oppenheimer que em um congresso para discutir as “Variáveis Escondidas de Bohm” disse: “Se não encontrarmos uma falha em Bohm, devemos ignorá-lo.”

Então Bohm e seu trabalho foram ignorados mesmos, por duas décadas. Isso o desanimou muito e ele também deixou a sua teoria para trás. Nesse período, ele deixou o Brasil, se mudou para Israel, onde se casou e depois para a Inglaterra, onde primeiro lecionou na Universidade de Bristol e depois na Universidade de Londres. Nesse período, Bohm também começou a expandir o seu campo de referências para além da ciência, buscando insights e visões frescas em campos religiões e filosóficos. Foi assim, e através da sua esposa, que ele esbarrou com o trabalho do filósofo indiano Krishnamurti, o que imediatamente cativou a atenção de Bohm por sua investigação sobre as dinâmicas subjetivas entre observador e aquilo que é observado. As mesmas dinâmicas se mostravam presentes no coração dos paradoxos da física quântica. Tais semelhanças levaram Bohm e Krishnamurti a estabelecerem uma fértil e forte relação, que frutificou em uma série de conversas cujos temas cobriram o fim dos tempos, a natureza da mente, a ordem cósmica e muito mais, durante um período de 25 anos.

E foi em Londres que Bohm retomou contato com o seu trabalho que havia sido completamente ignorado pela comunidade científica anos atrás. Na universidade de Londres, um grupo de estudantes decidiram criar simulações computacionais para visualizar as variáveis invisíveis em ação, e o que eles observaram causou espanto e encantamento. As Variáveis Invisíveis, ou “ondas guiadoras” que hipoteticamente dirigiam as trajetórias dos elétrons no experimentos da fenda dupla foram demonstradas e explicavam completamente a dualidade partícula-onda. Isso reavivou em Bohm a chama pelo seu trabalho de 20 anos atrás e ele retomou essa pesquisa. Mas agora, Bohm e seus colaboradores passaram a chamar essa coisa que influenciava as partículas em escala quântica (e portanto, todo o nosso universo) de Potencial Quântico.

Em resumo, o Potencial Quântico seria um Potencial de Informação que informa a própria manifestação e comportamento das partículas no mundo quântico. Bohm sugere que a partir do chamado estado de vácuo, as partículas interagem, respondem e são informadas por um potencial de informação que permite ao cosmos emergir. Essa é obviamente uma sugestão de proporções imensuráveis. Não à toa, muitos pesquisadores hoje trabalham para comprovar empiricamente a existência do potencial quântico, principalmente na Universidade de Londres. E esse vai ser um conceito chave para a nossa explanação do vídeo de hoje.

Se aprofundando no mundo teórico-conceitual de Bohm… o Potencial Quântico hipotetizado nessa época veio para reforçar algo que ele já vinha construindo desde que chegou ao Reino Unido: Ao tentar conciliar as teorias da mecânica quântica e da relatividade - tarefa nada fácil, diga-se de passagem - Bohm chegou à conclusão de que o que faltava não era mais uma outra teoria ou conjunto de expressões matemáticas. Ao invés disso, segundo ele, a chave para conciliarmos o que sabemos sobre o mundo macro e o mundo micro estava na elaboração de uma ordem completamente nova para a física. Dai veio a sua ideia de que existe uma ordem - ou domínio - mais fundamental e sutil da realidade, onde tudo o que nós percebemos como sendo fragmentado está, na verdade, intrinsicamente conectado. Essa ordem mais holística ele chamou de “Ordem Implicada” e dentro dela (aninhada) estaria o que ele chamou de “Ordem Explicada”, que é justamente o mundo do qual fazemos parte, com suas noções comuns de espaço e tempo e de partículas materiais que existem aparentemente separadas. Esse último domínio, que habitamos e que nos constituí, deriva dessa ordem mais fundamental.

Com essa percepção, Bohm traçou um desenho da realidade que revelava a sua “Totalidade Indivisa”, aspecto característico de sua obra - e que também é muito importante para nós nesse vídeo.

E como mencionado acima, com o desenvolvimento do conceito de Potencial Quântico veio a integração de sua obra, onde tal potencial pode ser visto como surgindo da relação entre as ordens implicadas e explicadas. Ou seja, o potencial que informa a manifestação e comportamento das partículas no mundo quântico emerge como interface entre:

o domínio da matéria e espaço-tempo que nos constituí (Ordem Explicada) e o domínio mais sutil e anterior a este, talvez lar dos princípios organizadores implícitos à tudo o que podemos observar (Ordem Implicada).

E justamente essa configuração que caracteriza o Todo, a Totalidade Indivisa da realidade. Então, através do Potencial Quântico esses domínios estão em constante interação mútua, influenciando um ao outro a partir de um processo contínuo de “unfolding” (desdobramento) e “enfolding” (envolvimento) entre o Todo e regiões específicas da totalidade. Segundo o próprio Bohm:

“A própria matemática (da teoria quântica) sugere um movimento em que tudo… em que qualquer elemento particular do espaço pode ter um campo que se desdobra no todo e o todo o envolve de volta.”

Tal movimento seria o próprio desenrolar do espaço-tempo como percebemos a partir dos nossos sentidos. E esse processo de desdobramento e envolvimento tem o potencial quântico como intermediário emergente. Ou seja, um potencial de informação na fronteira da totalidade de possibilidades implicadas da realidade, que aguardam para se tornar explicadas. Potencial por traz do que aos nossos olhos parece uma dualidade (partícula-onda), mas que é apenas a totalidade sendo todo. E esse é um dos pontos fundamentais da obra do Bohm, bem como o coração do vídeo de hoje.

A noção de que existe um Potencial Infinito de possibilidades como base da nossa realidade, não só da esperança para os tempos em que vivemos, mas também coloca qualquer ser consciente em uma posição de muita importância. Isso por que esse potencial infinito pode realmente ser “explicado” através do processo de unfolding que acabamos de descrever, mas isso requer consciência ativa.

E foi nesse ponto que Bohn encontrou grande inspiração em figuras como Krishnamurti e o Dalai Lama, que chegou a chamar Bohm de seu “Guru da Ciência”. Como estes estudiosos, ele passou a investigar o papel da consciência na construção da realidade. Mais especificamente, a relação entre pensamento e construção de realidade. Para Bohm, a maneira de pensar influenciava profundamente a vida cotidiana, especialmente na esfera coletiva. Isso por que o pensamento é o instrumento para resolução de problemas, mas também a fonte desses problemas. Por isso, para ele era muito importante que nós, como sociedade, pudéssemos nos desprender das ideias e pensamentos que definem o mundo como sendo fragmentado e compartimentalizado. Precisamos enxergar a totalidade indivisa para poder conceber as potencialidades. E isso passa também pela forma em que pensamos e que exercitamos nossa consciência.

Nesse ponto, Bohm chegou a decorrer bastante sobre a influência das línguas que falamos e como elas afetam nossa maneira fragmentada de ver o mundo. Segundo ele, as línguas focadas em substantivos (em coisas) tendem a criar uma percepção da realidade com o mesmo foco, o que é uma distorção do que realmente acontece a nossa volta, onde tudo é processo e nenhuma coisa é apenas uma coisa o tempo todo. Todas as coisas estão em constante processo de se transformarem em outras coisas. Com isso, Bohm tentou desenvolver uma abordagem experimental para a linguagem - um “novo modo” de usar as línguas existentes - que ele chamou de reomodo - do grego “rheo-“ para fluir. Esta abordagem foi baseada em sua tese de que poderia ser possível que “a sintaxe e a forma gramatical da linguagem fossem alteradas de modo a dar um papel central ao verbo em vez do substantivo”.


Uau. Muita coisa, não? Talvez você queira voltar esse vídeo e reassistír ele mais uma vez até aqui. Enquanto isso, vamos dar uma pausa nos conceitos mais densos para dizer que Bohm continuou a trabalhar nessas ideias todas até o final de sua vida. E que ele também se dedicou a organizar e participar de grupos de diálogos abertos e livres como uma forma de se engajar com os problemas sociais de seu tempo. Ele chegou inclusive a expressar que essa forma de diálogo - que ficou conhecida como Diálogo Bohmiano - seria uma maneira de nós experienciarmos de forma subjetiva o processo de unfolding e enfolding que descrevemos acima, bem como a Totalidade Indivisa da Realidade.

“E talvez no diálogo, quando temos essa energia muito alta de coerência, ela pode nos levar para além de ser apenas um grupo que pode resolver problemas sociais. Possivelmente, ela poderia trazer uma nova mudança no indivíduo e uma mudança na relação com o cósmico. Essa energia foi chamada de ‘comunicação’. É uma espécie de participação. Os primeiros cristãos tinham uma palavra grega “koinonia”, cuja raiz significa ‘participar’ - a ideia de participar do todo e tomar parte nele; não apenas o grupo todo, mas o Todo.” - David Bohm em “Diálogo”.

Finalmente, vale dizer que Bohm também publicou vários livros e participou de muitas conferências e mesas redondas ao redor do mundo debatendo as questões fundamentais da nossa realidade. Tristemente, o final da sua vida veio acompanhado de um agravamento de uma depressão que o acompanhou por grande parte da vida. A ponto dele chegar a passar por choque-terapia. E sua desencarnação veio no dia 27 de Outubro de 1992, quando ele tinha 74 anos de idade. Naquele dia, ele estava trabalhando com seu colaborador de longa data, Basil Hiley, no Birkbeck College, em Londres. Pouco antes de sair do escritório, ele telefonou para a esposa muito animado, dizendo ‘Sinto que estou à beira de alguma coisa …’

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